quinta-feira, 25 de março de 2010

quinta-feira, 18 de março de 2010

*


Na vida, quem perde o telhado
Em troca recebe as estrelas.

quarta-feira, 17 de março de 2010

E por você não ser nada. Que acontece isso tudo.

tô bem debaixo pra poder subir
tô bem de cima pra poder cair
tô dividindo pra poder sobrar
desperdiçando pra poder faltar
devagarinho pra poder caber
bem de leve pra não perdoar
tô estudando pra saber ignorar
eu tô aqui comendo para vomitar
eu tô te explicando pra te confundir
tô te confundindo pra te esclarecer
tô iluminado pra poder cegar
tô ficando cego pra poder guiar
suavemente pra poder rasgar
olho fechado pra te ver melhor
com alegria pra poder chorar
desesperado pra ter paciência
carinhoso pra poder ferir
lentamente pra não atrasar
atrás da vida pra poder morrer
eu tô me despedindo pra poder voltar

Tom Zé e Elton Medeiros

terça-feira, 16 de março de 2010

Mulheres apaixonadas



Ela sempre foi uma mulher incrível: bonita, charmosa, engraçada, aquela sem cuja presença a festa nunca era tão animada. E o melhor: sempre teve os homens que quis (e alguns que nem quis tanto assim -mas teve). Um dia se apaixonou e virou outra pessoa.

Engraçado, isso nunca acontece com eles. Por mais que se apaixonem e fiquem de quatro, são sempre os mesmos: se passa uma mulher, eles olham sem nem ao menos disfarçar, se o assunto são as atrizes mais bonitas do mundo, eles já têm, na ponta da língua, sua lista pessoal -sendo que algumas não têm nada a ver com a que compartilha dos seus lençóis. Agora me diga: como se sente uma mulher morena e magérrima quando ouve seu amado dizer que a mulher mais linda do mundo, para ele, foi e sempre será Marilyn Monroe? Dá vontade de morrer, claro -ou de matar.

To-dos os homens do mundo se sentem no direito de ficar num canto da festa, com um amigo, às gargalhadas. A-que-las gargalhadas que, só pelo som, se sabe que boa coisa não é; quando a mulher chega perto, o assunto muda ou murcha -e aí só chamando a polícia. Por que nós não conseguimos ser iguais?

Mulher apaixonada é uma tragédia; para começar, elas são ciumentas -todas são. Ou fingem que não têm ciúme -e infartam- ou fazem logo uma cena daquelas que ninguém aguenta, nem elas mesmas. E tem pior do que saírem os dois da festa em silêncio, no carro, e deitar na cama um de costas para o outro?

Detalhe: ele dorme -ela não. E tem pior do que sentir que foi uma chata e que estragou a noite, às vezes sem nenhuma razão?

E mais: mulher apaixonada perde a graça. Afinal, é preciso ter uma história para existir, e uma mulher apaixonada tem que se esquecer de tudo -ou de quase tudo- que viveu, já que não dá para contar as maluquices tão engraçadas que fez na vida, não na frente do amado. E alguém já viu uma mulher apaixonada com uma amiga, num canto da sala às gargalhadas, falando, visivelmente, de homem, e comentando que aquele é gostoso, o outro tem uma boca linda e o terceiro é irresistível? Não, mulher não faz essas coisas porque ela muda de personalidade quando se apaixona.

A primeira coisa que faz é ficar íntima da sogra, o que já é meio caminho andado para destruir qualquer relação. O segundo passo é ter uma excelente relação com as mulheres dos amigos dele, o que faz com que ela passe a fazer parte do grupo das esposas, e aí, já viu. Quando ele a conheceu -e se sentiu atraído-, ela estava na pista dançando sozinha às 3h da manhã, mas a paixão fez com que ela virasse outra pessoa. Como é que fica?

É uma parada: quando ele olha para um lado, ela acompanha o olhar para ver para onde ele está olhando. Quando telefona e a linha está ocupada, ela já acha que ele deve estar falando com aquela -a-que-la- para quem estava olhando na véspera. Se chega atrasado, já é recebido com um olhar desconfiado. Se não diz que ela está linda e que a ama perdidamente, é porque o amor acabou. Dá para suportar uma mulher apaixonada? Não, positivamente não dá.

Daí o amor ser tão complicado; afinal, não existem duas coisas mais diferentes no mundo do que um homem e uma mulher.

E ainda querem que dê certo.

Danusa Leão

segunda-feira, 15 de março de 2010

Porque você não se cansa de você...




Porque ela é samba, ele rock’roll. Ela é bom dia, ele boa noite.
Porque ela é um. Ele várias. Ela é singular, ele plural.
Porque ela é Darwin, ele Buda. Ela é qualidade, ele quantidade.
Porque ela é publicidade, ele propaganda. Ele é Nietzsche, ela Freud.
Porque ela é multicolorida, ele monocromático.
Ela é Fla, ele Flu. Ela é sinergia, ele energia. Ela revolução, ele evolução.
Porque ela é bonita, ele nem tanto. Por que ela é praia, ele escritório.
Ela discreta, ele exibicionista. Porque ela é sala, ele quarto.
Por que ela é Portela, ele nem sabe o que é. Porque ela é pele, ele carne.
Ela é céu, ele terra. Ela abraço, ele amasso. Ela desejo, ele vontade.
Ela ama, ele foge. Ela é inteligente, ele disfarça. Ela metade cheio, ele metade vazio. Ela planeja, ele estraga. Ela é Taj Mahal, ele Cataratas.
Ele é delírio, ela realidade. Ela romance, ele comédia. Ela vinho, ele cerveja.
Ele beatles, ela Chico. Ela dança, ele bebe. Ela é luz, ele contraluz. Ela piscina, ele futebol. Ela paixão, ele tesão. Ele traí, ela atrai. Ela um cigarrinho, ele baseado. Ela cult, ele tenta. Ela aqui, ele ali. Ela encanta, ele canta. Ela é ela, ele vários. Ela é coração, ele razão.
Porque ele é Veja, ela é Caros Amigos. Porque ela é prática, ele teoria. Ela é leveza, ele incerteza. Ela teatro, ele boteco. Ela edredom, ele lençol. Ela acredita, ele disfarça. Porque ela é de esquerda, ele de direita.
Ela é assim, ele assado.

terça-feira, 9 de março de 2010

(Des) Encontrar-se

E quando de repente você encontra aquela pessoa que sempre procurou?
Sabe em apenas dois dias que ele é a pessoa ideal, que tem os mesmos ideais.
Só que você encontra essa pessoa no momento errado, e talvez não haja o momento certo.
Mas você sabe que será difícil encontrar alguém como ele novamente.
Mas fica tranquila, pois sabe que ele existe.

terça-feira, 2 de março de 2010

Os olhos são coadjuvantes do olfato


Repassarei um truque aos filhos. Como selecionar um brigadeiro. Nunca compre o doce enorme. Logo se imagina que aquilo deve ter uma latinha inteira de leite condensado.

Na prateleira, é o imperador das bandejas, o pai do quindim, com o formato achatado de capuz. Sua criança babará no balcão, sofrerá um ataque de epilepsia. Por favor, contenha o impulso dela.

Apesar da aparência lustrosa e crocante, coberta de granulado, é uma enganação. Todo chocólatra fareja que é falso. Não pode ser real. Ele vai durar para sempre porque é impossível comer. Na primeira mordida, a arcada perderá seu fio. Procure um moleiro para recuperar a lâmina. É uma pasta com farinha. Até Taiwan seria mais caprichosa na pirataria.

O brigadeiro mais gostoso curiosamente é o pequeno, do tamanho de uma unha. Uma titica. A panelinha guarda lugar para mais dois. Não transmite nenhuma superioridade. Sozinho, não será localizado no mostruário, é uma formiga sendo carregada por uma folha. Depende de lupa, microscópio, pinça.

Mas é esse que fará você pagar o dobro e repetir à exaustão. A gana é obturar todos os dentes com seu conteúdo.

Com o minúsculo confeito, o desejo vem em caixa alta. Somente a língua trabalha, é quase líquido, desmancha no céu da boca e adoece o pensamento.

Portanto, repassarei também um conselho aos netos. Como duvidar do primeiro encontro. As estrelas não escrevem, unicamente brilham.

Ainda temos a expectativa de que ele teria que ser mágico, com efeitos especiais, relâmpagos, tremedeira, suor, frio na barriga. O corpo pescaria a clarividência, estaria certo do destino, pressentiria o casamento no primeiro toque, no primeiro beijo. Seria uma moleza, uma ejaculação precoce, uma tensão infindável. Abandonaríamos os compromissos pela certeza indomável das pupilas. Em madrugadas de lareira, o par esbaldaria aos amigos de que não houve hesitação, foi uma junção perfeita, um golpe de misericórdia no batimento cardíaco.

Já testemunhei amores avassaladores e cinematográficos que não duraram nem a manhã seguinte. O casal experimentou cenas de porta-retrato na cômoda, com todos os sintomas do cortejo romântico e idealizado: a música parou e as casualidades se moveram secretamente. E os dois não seguiram adiante, pois sequer se esforçaram.

O contato inicial pode ser uma droga, a pessoa irritar e bancar a arrogante, cometer grosserias e atazanar a paciência e mesmo assim despertar a curiosidade. Nada mais promissor do que a confusão. A proximidade surgirá pela desconfiança, pelo desafio desagradável, pelas visitas diárias ao ódio, até o momento em que não falará de outra coisa senão dela. Expulsará lentamente os preconceitos e aceitará de que não escolhemos o melhor, mas o necessário.

É a insistência que produz o amor, não o deslumbramento.

Paixão à primeira vista não existe com brigadeiro ou com mulheres. Mas cheiro à primeira vista é imbatível. A química não costuma falhar, desde que tenha tempo para misturar os ingredientes.

Fabrício Carpinejar